Imram Ullah Miraj e as dificuldades do jornalismo independente no Paquistão

16/11/2021
Reprodução - Twitter
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Escondido entre as montanhas do Paquistão fica o Vale Suat, uma região em que pude conhecer um amigo muito querido, Imram Ullah Miraj, 26 anos e homem de muitas profissões, enfermeiro, vice-diretor, ativista, poeta, escritor e jornalista. Imram possui uma paixão pelo Paquistão, principalmente a região que ele mora, e busca apresentar essa área ao mundo. Tanto pela produção independente nas redes sociais, quanto na televisão local.

Você é jovem. Mesmo assim tem um currículo de diversas profissões e experiências para mostrar, como você chegou nessas profissões?  

O Paquistão é um país muito jovem, é um dos mais jovens do mundo. O diretor da universidade não tem trinta anos ainda e o reitor menos de quarenta. E a região do vale é extremamente pobre, eu tive o privilégio de poder cursar uma educação superior, e até recebi ofertas para ir para outros estados, até países, mas quero passar a vida inteira aqui. Eu virei jornalista por acaso, só existem duas universidades no Paquistão e as duas ficam do outro lado do país. Comecei com um projeto independente apresentando a região, e eventualmente estava sendo convidado para produzir reportagens e matérias.


Mas na faculdade se aprende técnicas, estilos de escrita, isso não fez falta no seu trabalho?

Sim, claro que fez. Mas como eu disse, o país é jovem, muito pobre, quem consegue se formar recebe ofertas bem melhores no exterior, na maioria das carreiras aqui você encontra gente jovem fazendo trabalho que na Europa ou América seriam pessoas mais velhas. Você estranha que eu tenho 26 anos, meus vizinhos estranham que não tenho 5 filhos.

Além da fotografia e escrita, você também tem feito alguns vídeos que deram bastante engajamento, mas como você escolhe o que vai ser produzido?

A região do vale é bem diferente do resto do país, somos uma minoria Pashtun, mais próximos do Afeganistão que dos Punjabis e Sindhi do resto do país, e a região sempre foi mais isolada mesmo, entre as montanhas. Quando o Talibã invadiu em 2009 ainda tínhamos um estado feudal, o governo nem percebeu por um tempo que a região não estava mais sob controle. Então produzir conteúdo é fácil. Basta ligar a câmera e qualquer coisa já é interessante. A narração é um pouco complicada, eu costumo colocar inglês nos meus vídeos para atrair o máximo possível, mas o Paquistão tem 74 idiomas, a maioria fala o nativo e urdu ou inglês, mas se não for para televisão eu prefiro sem nenhuma narração.


E como foi esse salto de produtor independente para televisão?

O meu projeto tem um alcance de quase vinte mil pessoas, para você ter noção, minha vila não chega a 1500 habitantes. Eu me tornei a referência na região, principalmente quando a única outra celebridade é a Malala, então ter boas notícias te fazem ser reparado. A maioria das emissoras do estado são super novas, as mais antigas são de 2010. Em 2018 eu passei a colaborar com a PVT, porém também fui procurado por outras, como a SRBC e ARY, com eles eu já tinha um foco específico no que gravar, muitas vezes em Mingora que mesmo tendo quinhentos mil habitantes, não tem uma emissora local. O meu equipamento consegue fazer uma filmagem melhor que a deles, que ainda estão saindo do analógico com ajuda da China.

Quais foram os desafios que você encontrou nos seus trabalhos?

Tem regiões que o pessoal é bem fechado, não gostam de visitantes, acham que sou da CIA ou coisa do tipo. A gente fez uma reportagem sobre como as vilas estavam se preparando para o Ramadã e diversas vezes no caminho para Chitral, no norte, tive que guardar câmera, sair correndo, conversar com xerife. Mas geralmente quando entendem o que estou fazendo me oferecem biscoitos e chá. Somos um povo muito amigável e hospitaleiro, é isso que eu quero mostrar ao mundo.

Por Luís Trindade Gonçalves
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